quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Dia vinte e três.

Nós não somos o nosso CV.


A experiência profissional pode ser muito redutora. Quer naquilo que transmite de nós, quer naquilo que nos possibilita. Por mais que inclua, por mais que tenhamos feito durante aqueles meses ou anos em que tivemos uma vida profissional activa, por mais que demonstre o quanto fomos bons e brilhantes, dificilmente somos apenas aquilo. Só que, quando queremos mostrar isso mesmo, a tarefa revela-se muito complicada.

Quem olha para um currículo e vê que sempre trabalhámos em determinada área chega à fácil conclusão de que é aquilo que sabemos fazer. E só aquilo. Podemos tentar convencer o possível empregador de que somos bons noutros campos, de que as nossas competências vão muito além do que ali está escrito, de que procuramos uma mudança de carreira (de vida, até) e de que temos as competências de que precisamos para isso. Esporadicamente, lá aparece uma alma disposta a ver para crer: pede exemplos, faz uns testes, em último caso até arrisca. Mas isso é muito raro. Porque nós, pelos vistos, somos a nossa profissão. Se fizemos muitas coisas diferentes, parte-se do princípio de que não somos bons em nada; se fizemos sempre o mesmo, é porque só sabemos fazer aquilo e pronto.

A verdade é que nós não somos o nosso currículo. Não somos mesmo. E fazer daquelas folhas a principal ferramenta de recrutamento é um erro de quem recruta e uma amarra para quem é recrutado. Para começar, além de profissionais somos pessoas. E, quaisquer que tenham sido as nossas funções, dificilmente explorámos nelas tudo aquilo que conseguimos fazer  e fazer bem. Mas há mais. Alguns começaram a trabalhar e tiveram sempre empregos semelhantes apenas porque esse foi o caminho possível. Outros nunca conseguiram alcançar a função para a qual se sentiam realmente aptos, por isso tiveram de ir aceitando outras tarefas. Há os que nunca trabalharam na sua área e há também os que tiveram o privilégio de o fazer mas que agora têm vontade de explorar outros caminhos. Em certos casos, os empregos que se tiveram até foram os desejados, mas chega o dia em que se percebe que se é mais do que aquela profissão, e que se pode ser ainda melhor noutras áreas. E mais feliz, também, se nos for permitida a conjugação de todos os factores que nos parecem importantes.

Há uma diferença entre a realidade e o sonho. Ou, melhor, entre a realidade e as possibilidades. E o passado e o futuro não têm de ser a mesma coisa. Quando sabemos que temos talento para algo e sistematicamente quem de direito é incapaz de acreditar em nós (ou, pelos menos, de nos dar o benefício da dúvida), sentimo-nos presos a uma profissão. E, por mais que gostemos dela, se nos "condenam" a tê-la para toda a vida e contra a nossa vontade, deixa de ser prazer e torna-se obrigação.

Mesmo que tenhamos trabalhado sempre na mesma área, isso não significa nada por si só. Se calhar nunca quisemos aquilo, mas a vida correu assim. Ou então até abraçámos o ofício com toda a convicção, mas agora podemos ter vontade de mudar. Acima de tudo, uma carreira "estável" não equivale a que as nossas capacidades se esgotem ali. Mas, para provarmos que somos mais do que aquilo que a nossa experiência profissional nos permitiu ser, precisamos de oportunidades. E, já que andamos sistematicamente a saltar de emprego em emprego, ao menos que isso nos permita desempenhar novas tarefas, procurar novos caminhos, provar que temos talentos e competências que o currículo não revela mas que gostaríamos muito de pôr em prática.

1 comentário:

  1. Concordo completamente com o que diz . è dificil lidar com o pensamento redutor, dos outros. Mas nós para os "Outros" também somos os "Outros" . Pre julgamos tudo, a raça humana tem muito que aprender . Se lhe interessar veja um decomentario, que agora já está disponivel no YOUTUBE , eu ainda o vi , há uns anos, em DVD, pq não estava disponivel aqui " O que é que raio sabemos nós? " está tb na minha página pessoal no facebook... fernanda martins

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