sábado, 8 de fevereiro de 2014

Dia trinta e três.

Uma condenação chamada "orçamento".


Boa parte das áreas profissionais dão-nos a possibilidade de fazer trabalhos pontuais. E em muitas das ofertas de emprego que surgem (na minha área, pelo menos) procura-se isso mesmo: alguém para um trabalho isolado.

É claro que me candidato frequentemente a estas vagas, mais não seja porque do outro lado pode estar mais uma porta aberta (para além da "pontual"). É raro receber respostas, e até compreendo o fenómeno. Imagino que as candidaturas a trabalhos deste género sejam sempre umas boas centenas: quer de quem trabalha realmente naquilo que se pede, quer de meio mundo que não o faz mas que tem (ou acha que tem) jeito para o assunto, quer até de gente que sabe perfeitamente que aquela não é a sua praia mas a quem "não custa tentar". No entanto, uma vez por outra (vá, uma vez a cada cinquenta tentativas) há alguém que repara na nossa resposta e que entra em contacto connosco (só porque, claro, não tem um único amigo, colega ou vizinho do irmão da cunhada da avó que consiga dar conta do assunto).

Pois bem: se no anúncio não se tiverem pedido propostas de valores aos candidatos, é aqui que qualquer pessoa que goste de ser condignamente remunerada pelo seu trabalho perde o comboio. Neste tipo de ofertas, o financiamento disponível nunca é revelado  a menos que tal coisa não exista, assumindo-se nesse caso logo de início que se procura trabalho gratuito. Caso seja um trabalho remunerado (em teoria), a ideia é que cada candidato, perante o trabalho pedido, faça o seu orçamento. E já se está mesmo a ver aonde é que isto vai dar, não é?

Em certas áreas, há tabelas "oficiais" que definem os valores a pagar pelos serviços. Tabelas fáceis de ler, de interpretar, e que cobrem todas ou quase todas as alternativas. Mas raramente alguém faz questão de as respeitar. Quando a conversa chega a tal ponto, quem solicita o trabalho informa-nos de que o dinheiro disponível é pouco e de que o pagamento terá de ser simbólico  isto se não chegar ao ponto de nos dizer, frontalmente, que hoje em dia pedir o valor de tabela é uma imbecilidade. Do lado de quem trabalha, faz-se um preço abaixo do tabelado para tentar a sorte. E, mesmo assim, há diferentes tipos de "abaixo", que são o fim da história para gente que luta por ser respeitada (como eu): se determinado trabalho deveria custar 60 euros, muitos candidatos vão pedir 30 por ele, e a maioria vai ficar-se pelos 15. E ainda hão-de aparecer lá pelo meio os que não pedem nada  porque estão a começar, porque precisam de "encher" o currículo, porque têm de ter trabalho feito para mostrar nas próximas candidaturas, porque gostam muito de trabalhar para aquecer.

O respeito próprio sempre me impediu de fazer descontos absurdos (mais ainda quando estão em causa trabalhos que até por tabela não são bem pagos). E o respeito pelos colegas, ou por outros candidatos, idem. Mas há quem não faça questão de lutar pela sua dignidade profissional. Cada um sabe de si, claro, mas certo é que, enquanto aqueles que beneficiam de uma tabela não a respeitarem, mais ninguém o fará. E ela nunca será seguida. E os pagamentos nunca serão justos. E para quem contrata haverá sempre espaço de sobra para trabalho feito de graça ou por valores simbólicos  indignos, leia-se.

E eis aqui, senhoras e senhores, o porquê de eu nunca ter conseguido fazer um trabalho pontual na vida.

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