quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dia trinta e um.

Carta aberta a quem gosta muito da frase "mas são só X euros".


Queridas pessoas,

Quando o nosso rendimento, por força das circunstâncias, é escasso (ou nulo), o sol brilharia mais um pouco se nos poupassem a certos comentários e sugestões que habitualmente andam ali entre a ingenuidade e a falta de consciência. Isto não se passa só com os desempregados, mas é claro que eles são  nós somos  um alvo um tanto ou quanto melindroso (embora pareça que somos é campeões do mau feitio). E, como há sempre um amigo que nem dá pelo peso da carteira de tão leve que a traz, calha bem aprimorar um bocadinho o tacto para futuras conversas "monetárias" quando o encontrarem.

Amigos inocentes, seria realmente amoroso da vossa parte evitarem frases do género "mas o bilhete nem chega aos quarenta euros...". Nós sabemos que é um comentário bonzinho e que não há maldade no vosso coração, mas já nos basta o desgosto de perdermos o concerto da nossa vida. E, além disso, todo esse compadecimento deixa-nos com a "obrigação moral" de gastar o dinheiro  não por nós, não pelo concerto, mas para vos pouparmos a tal estado condoído.

Amigos bem-intencionados, não nos sugiram que façamos determinada compra porque "aquilo normalmente custa duzentos euros mas agora está a cem". É muita simpatia da vossa parte controlarem as promoções, mas invistam um pouco de toda essa dedicação no bom-senso. Qualquer sugestão que equivalha a gastar mais de dez euros vai provocar em nós uma certa irritação  e à vigésima oitava ideia brilhante que nos derem pode ser difícil disfarçá-la. Se nos obrigarem a ter de explicar que por A mais B a proposta não faz lá grande sentido, pior ainda.

Amigos que claramente não têm noção do mundo em que vivem, se há razões para desconfiarem de que a nossa conta é como um daqueles cobertores que para taparem os pés destapam a cabeça, por favor guardem bem guardadas num cantinho da vossa mente apreciações semelhantes a "não percebo porque é que não vens ao jantar; só fica a vinte euros por pessoa". Dependendo das circunstâncias, "só" e "vinte euros" nem sempre encaixam bem na mesma frase, por mais bizarra que a ideia vos pareça. E não estranhem o nosso ar depois de ouvirmos tal coisa: por mais que tentemos disfarçar, mais tarde ou mais cedo a indignação virá aí.

Os amigos desempregados e/ou pobrezinhos agradecem.

Atenciosamente,

Sofia
(A amiga desempregada e pobrezinha que às vezes
se cansa um bocadinho de comentários despropositados.)

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