quinta-feira, 27 de março de 2014

Dia oitenta.

O diário da C..


A C. é minha amiga. Partilhamos dias bons e maus com a mesma facilidade. Não há conquista que fique por contar nem medo que fique por assumir. E há dias, tantos, em que ninguém percebe os nossos dramas (pequenos ou grandes) tão bem quanto a outra. A S. e a C. são uma dupla inseparável para risos, lágrimas e um sem-fim de detalhes e picuinhices só delas.

Só nossas.

Eu e a C. ficámos sem emprego no mesmo dia. Essa é só mais uma luta partilhada. Estamos em fases da vida um pouco diferentes mas as esperanças e as dores de uma e de outra são idênticas, apenas com uma nuance aqui e outra ali.

Hoje a C. mandou-me uma mensagem. E li-nos ali: as lutas das duas, as conquistas que deixámos para trás, os medos que nos unem, as eternas expectativas e a esperança que temos de que a vida da outra corra, pelo menos, tão bem quanto a nossa. Temos sempre esta vontade de mudar o mundo por quem nos é mais querido. Nisso, e em muito mais, a vontade da C. e a minha são iguais.

Por tudo isto, o que ela escreveu tocou-me. Profundamente.

"Querido Diário, 
Ontem enviei um CV para um call center. Explicar-te bem o que senti nesse momento.. é quase como conseguir ganhar o Euromilhões: impossível.
Perceber que o desespero nos pode levar a voltar aos primeiros sítios onde se trabalhou para ganhar trocos. Agora a história é outra e leva-nos ao querer ganhar um ordenado, nem que seja à lei do agarrar a primeira coisa que se nos apareça. 
Sinto-me meio estranha, injustiçada e pequena.
Até amanhã*"

As lutas da C. serão sempre as minhas. Não só por tantas vezes serem iguais, mas também porque, sendo dela, são minhas também, de certa forma. E lendo estas palavras consigo ver muito além delas. E perceber exactamente a sensação e os seus porquês.

Eu e C. vimos o futuro ao alcance das nossas mãos e das nossas vozes. Ou melhor: pensámos que o tínhamos visto. Ao primeiro vislumbre acreditámos muito nele. Ao segundo, já nem tanto  mas o pezinho que não fica no chão faz sempre, sempre das suas. E é aí que nos tiram o tapete. Quando pensamos que determinada fase da vida já ficou lá atrás, descemos vários degraus de um momento para o outro. Melhor: empurram-nos, nós tropeçamos e caímos pela escada. Por mais força que façamos, subir não está nas nossas mãos (nos nossos pés). E assim se volta ao primeiro degrau do primeiro lance.

Nada contra esse primeiro degrau. Mas nunca será fácil nem soará certo pisá-lo de novo.

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