quinta-feira, 20 de março de 2014

Dia setenta e três.

O regresso às cassetes.


Ao dia setenta e três desta história dediquei a tarde às tarefas domésticas e decidi fazê-lo com uma banda sonora diferente da habitual. Nem rádio, nem internet, nem pastas do computador. Nem CD, sequer.

Estou há horas com cassetes a tocar na aparelhagem. E isto não é um momento revivalista. Sou muito dada ao vintage e ao antigo e ao retro e a essas coisas todas, mas o bom desta tarde vai muito além disso.

Estas são cassetes gravadas há perto de quarenta anos. Tocam na perfeição. E o que algo tão simples me dá só prova que a música, de facto, vale muito para mim.

Tocam-me as canções. As minhas memórias e as de quem ouviu tudo isto noutra época. E toca-me esta subtil habilidade da tecnologia para trazer os anos 70 aqui à sala  nas recordações, nos sons, mas acima de tudo na simplicidade material de uma cassete gravada há bem mais de trinta anos por mãos que me eram queridas. As mãos já cá não estão, mas o lado simbólico de tudo o que tenho ouvido esta tarde está. E as cassetes ali, a tocarem. Tantos anos depois de alguém se ter dedicado a gravá-las, pedindo vinis aos amigos e anotando títulos, nomes, tempos.

Pôr estas cassetes a tocar é regressar à inocência de quando via o mundo à minha escala, e de quando as minhas músicas de infância eram músicas de crescidos.

O que é que isto tem a ver com desemprego? Não sei bem. Talvez não ter trabalho me tenha dado o tempo necessário para ouvir tudo com mais calma. Para poder parar e ouvir, só. Ouvir. E esquecer-me do resto para recordar aquilo que é mais importante, mais vital, mais intrínseco  sentimentos. Pelo que foi, pelo que ainda está por vir, pelas semelhanças que sem querer unem o passado ao presente como se fossem duas faces da mesma moeda (só que separadas por décadas).

E não deixa de ser curiosa a forma como a música me acompanhou sempre. Está em boa parte das minhas recordações mais nítidas e mais antigas e está nestes pedaços de passado que ficaram. Mas também está nos trabalhos que tive. E, entre todas as que já ouvi hoje, há uma que passei muitas vezes na rádio. E que acabou de tocar há pouco. Trinta e muitos anos depois de, nesta mesma sala, ser gravada.

Se calhar é por isso que este texto cabe aqui. Porque, antes de ficar sem emprego, tinha um trabalho de que gostava muito. E passava música. Música que ouvia desde sempre, e que hoje, sem querer, voltei a ouvir.

(E as coincidências roubam-me arrepios e sorrisos. Logo depois dessa que passei tantas vezes, está uma das primeiras músicas que cantei com duas mãos ao meu lado a tocarem guitarra. Outras duas  não as das cassetes.

E mãos essas tão certas. Tão especiais.)

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