sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Dia vinte e cinco.

15,4%.


[Período antes da ordem do dia: não sou economista nem percebo nada de números, estatísticas, "sinais positivos" ou "retomas". Percebo só da minha vida (e às vezes nem essa compreendo muito bem).]

Parece-me que hoje em dia boa parte de nós olha para as estatísticas do desemprego e pouco mais faz para além de encolher os ombros (havendo um comando na mão, este gesto é substituído por uma mudança de canal; à décima tentativa havemos de encontrar um onde o assunto seja outro). Os números já pouco importam. Há muita gente desempregada. Ponto. Por mais voltas que se dêem ao texto, por muito que se puxe pelo lado positivo (há sempre um, sim, e habitualmente eu sou a primeira a procurá-lo), na nossa cabeça acho que não há lá grande análise a fazer. Mais cinco mil, menos cinco mil, por cento a mais, décima a menos, o problema existe e aparece por todo o lado. O desemprego está em queda há dez meses. Isso é certo. Mas, para as famílias, sejam aquelas onde há desempregados ou aquelas em que todos trabalham mas em que o receio de dias piores não se evita, isso não serve de grande consolo.

Percebo, claro, que dez meses seguidos com os números a baixarem são um sinal animador. E é óbvio que uma redução, no espaço de um ano, de 17,3 para 15,4 por cento é uma boa notícia. Matematicamente, tudo isto faz sentido. Só que todos sabemos que, na prática, no caso do desemprego há o (aparente) contra-senso de as contas irem um pouco além da matemática. A confiança que nos tentam transmitir até pode ter fundamento, mas não arranca sequer um ligeiro sorriso a ninguém.

Números são números. Contra factos não há argumentos. Mas, frases feitas à parte, até eu, que sou uma optimista, tenho dificuldades em partilhar de certas esperanças. E a verdade é que, quando fazemos parte das estatísticas, por mais que não queiramos acabamos por nos sentir como um elemento que está ali no meio das contas  e isso torna tudo mais próximo, por um lado, e mais intenso, por outro.

(Posto isto, até vou fingir que não sei que em Dezembro há sempre empregos no sapatinho. Ou pré-sapatinho, melhor dizendo. E que depois só voltam a cair do céu, ou pela chaminé, daí a um ano.)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Dia vinte e quatro.

"Tu queres é um trabalho das nove às cinco."


Esta é uma ideia com a qual nos deparamos vezes sem conta, sendo que qualquer um de nós (desempregado ou com emprego, mais velho ou mais novo, solteiro ou casado) é um potencial alvo. A formulação é variável, dependendo do génio que a profere, mas o tom costuma ficar ali entre o recriminatório e o arrogantezinho.

A questão aqui é muito simples: e se eu quiser um trabalho das nove às cinco? Ou do meio-dia às oito, ou das dez às seis, ou das sete às três? E se eu quiser usufruir desse privilégio claramente extravagante que é ter horas de entrada e de saída definidas?

Não percebo porque é que a ideia de ter um horário de trabalho há-de ser assim tão exótica. Tanto quanto sei, tê-lo é um direito pelo qual muitos lutaram. E venha a primeira pessoa que garante, com a mesma convicção com que atira estas pérolas em tom acusador e desdenhoso, que não ter horas para entrar nem para sair foi a melhor coisa que a vida lhe deu, que trabalhar de sol a sol é um bálsamo, que estar a postos de domingo a domingo foi tudo aquilo com que sempre sonhou e que família, amigos, vida pessoal, corpo e mente agradecem o permanente descuido.

É que às vezes esgota-se-me a paciência.

E esta conversa de que quem luta por ter vida além do trabalho é mandrião não cabe na cabeça de ninguém.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Dia vinte e três.

Nós não somos o nosso CV.


A experiência profissional pode ser muito redutora. Quer naquilo que transmite de nós, quer naquilo que nos possibilita. Por mais que inclua, por mais que tenhamos feito durante aqueles meses ou anos em que tivemos uma vida profissional activa, por mais que demonstre o quanto fomos bons e brilhantes, dificilmente somos apenas aquilo. Só que, quando queremos mostrar isso mesmo, a tarefa revela-se muito complicada.

Quem olha para um currículo e vê que sempre trabalhámos em determinada área chega à fácil conclusão de que é aquilo que sabemos fazer. E só aquilo. Podemos tentar convencer o possível empregador de que somos bons noutros campos, de que as nossas competências vão muito além do que ali está escrito, de que procuramos uma mudança de carreira (de vida, até) e de que temos as competências de que precisamos para isso. Esporadicamente, lá aparece uma alma disposta a ver para crer: pede exemplos, faz uns testes, em último caso até arrisca. Mas isso é muito raro. Porque nós, pelos vistos, somos a nossa profissão. Se fizemos muitas coisas diferentes, parte-se do princípio de que não somos bons em nada; se fizemos sempre o mesmo, é porque só sabemos fazer aquilo e pronto.

A verdade é que nós não somos o nosso currículo. Não somos mesmo. E fazer daquelas folhas a principal ferramenta de recrutamento é um erro de quem recruta e uma amarra para quem é recrutado. Para começar, além de profissionais somos pessoas. E, quaisquer que tenham sido as nossas funções, dificilmente explorámos nelas tudo aquilo que conseguimos fazer  e fazer bem. Mas há mais. Alguns começaram a trabalhar e tiveram sempre empregos semelhantes apenas porque esse foi o caminho possível. Outros nunca conseguiram alcançar a função para a qual se sentiam realmente aptos, por isso tiveram de ir aceitando outras tarefas. Há os que nunca trabalharam na sua área e há também os que tiveram o privilégio de o fazer mas que agora têm vontade de explorar outros caminhos. Em certos casos, os empregos que se tiveram até foram os desejados, mas chega o dia em que se percebe que se é mais do que aquela profissão, e que se pode ser ainda melhor noutras áreas. E mais feliz, também, se nos for permitida a conjugação de todos os factores que nos parecem importantes.

Há uma diferença entre a realidade e o sonho. Ou, melhor, entre a realidade e as possibilidades. E o passado e o futuro não têm de ser a mesma coisa. Quando sabemos que temos talento para algo e sistematicamente quem de direito é incapaz de acreditar em nós (ou, pelos menos, de nos dar o benefício da dúvida), sentimo-nos presos a uma profissão. E, por mais que gostemos dela, se nos "condenam" a tê-la para toda a vida e contra a nossa vontade, deixa de ser prazer e torna-se obrigação.

Mesmo que tenhamos trabalhado sempre na mesma área, isso não significa nada por si só. Se calhar nunca quisemos aquilo, mas a vida correu assim. Ou então até abraçámos o ofício com toda a convicção, mas agora podemos ter vontade de mudar. Acima de tudo, uma carreira "estável" não equivale a que as nossas capacidades se esgotem ali. Mas, para provarmos que somos mais do que aquilo que a nossa experiência profissional nos permitiu ser, precisamos de oportunidades. E, já que andamos sistematicamente a saltar de emprego em emprego, ao menos que isso nos permita desempenhar novas tarefas, procurar novos caminhos, provar que temos talentos e competências que o currículo não revela mas que gostaríamos muito de pôr em prática.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dia vinte e dois.

Perguntas e respostas no centro de emprego.


E lá rumei eu, esta manhã, ao centro de emprego, para uma reunião que afinal foi diferente daquilo que eu esperava. No 'dia quinze' antecipei uma manhã perdida; felizmente, enganei-me.

O que hoje me levou ao IEFP não foi uma simples reunião de desempregados; foi, sim, uma sessão colectiva de esclarecimento sobre os direitos e os deveres de quem não tem trabalho. Bom, foi sobretudo sobre deveres; direitos, nem tanto. Mas, ironia à parte, e contrariamente às minhas expectativas, valeu a pena.

Quando ficamos desempregados, tendemos a procurar informação de todas as formas e mais alguma. Falamos com meio mundo, se conhecemos alguém que trabalhe em recursos humanos essa pessoa fica provavelmente cansada de nos aturar, e, claro, passamos longas horas a investigar em sites, fóruns e blogues. O resultado destas empreitadas torna-se facilmente angustiante: acumulamos uma infinidade de indicações contraditórias, que não somos capazes de seleccionar nem tão-pouco de descodificar. E, para piorar o cenário, quando nos dirigimos aos serviços oficiais para tentarmos separar o trigo do joio é comum ficarmos ainda mais confusos e apreensivos.

Mas hoje não foi isso que aconteceu. Muito pelo contrário. Esta sessão ajudou a esclarecer e a "desmontar" muitas ideias (verdadeiras e falsas). Foi um encontro quase informal e muito pragmático, onde se falou de tudo:  de direitos e de deveres, sim, mas também de leis, obrigações ou multas. Por vezes até com exemplos concretos, para que todos percebessem realmente o que estava em jogo caso a caso. Por um lado, não faltaram alertas; por outro, desfizeram-se vários mitos. Todos puderam fazer perguntas e esclarecer as dúvidas para as quais não encontravam resposta em lado nenhum (ou, pior, para as quais encontravam quatro respostas diferentes). E, como é fatal como o destino que os desempregados partilhem boa parte dos receios e das interrogações, estas encontros colectivos são uma óptima ideia – há sempre alguém que se lembra de algo que nos estava a escapar.

(Entretanto, é interessante constatar a postura dos técnicos do IEFP. Muitas vezes não compreendem a lógica de certas regras, e chegam a assumir que não concordam com elas; por isso, explicam-nas, mas nem tentam justificá-las. Só que isto não é tarefa fácil, sobretudo quando se tem à frente um grupo de pessoas entre o confuso e o indignado.)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Dia vinte e um.

Descontos socialmente conscientes.


Neste fim-de-semana descobri o "bilhete de desempregado". O conceito não é novo (vem de Março de 2012), mas eu só dei conta dele agora (provavelmente porque dantes o assunto não me chamaria assim tanto a atenção). A mecânica é simples: para além dos descontos habituais, em infra-estruturas à guarda do Estado as entradas são grátis para quem não tem emprego. Noutros casos, os bilhetes não são gratuitos mas têm descontos.

E isto fez-me pensar.

Dois dias passados, ainda não sei bem para que lado pendo mais: se para a satisfação por ver posta em prática uma ideia generosa e acima de tudo sensata nos tempos que correm, se para aquela espécie de desconforto que se apoderou de mim quando me apercebi disto. Parece-me evidente que facilitar o acesso à cultura e ao lazer àqueles que não têm emprego é uma intenção meritória (além de ser mais do que justificável, claro); por outro lado, esta iniciativa acaba por demonstrar que de uma vez por todas se assumiu que o caso é mesmo sério: há tanta gente sem emprego e sem dinheiro que até se criou uma espécie de contingente especial.

É bom saber que existe esta consciência social, e que o problema, além de identificado, é reconhecido ao ponto de se criarem alternativas para que ninguém fique privado de certas actividades por estar numa situação que nem sequer escolheu. Só que este desconto é também uma evidência – simbólica mas crua: poucas coisas representam tão bem quanto isto as proporções que o desemprego alcançou. Já não se fala dele baixinho. Já não se assumem, sequer, os falsos benefícios (neste caso) de uma igualdade de direitos: em vez do "somos todos iguais", há algo que se cria e que nos torna manifestamente diferentes – numa diferença que, por mais que misture sentimentos tanto quanto misturou os meus, é útil. Pior: é necessária. Melhor: é salutar.

[Uma nota final mas obrigatória: deparei-me com este desconto para desempregados no Museu da Carris, e era impensável não aproveitar a oportunidade para sugerir uma visita. Vale muito, muito a pena. Seja a dois (se a cara-metade gostar meeeesmo do assunto, melhor ainda – vão por mim), com crianças ou num grupo de amigos. É uma bela experiência. E para quem, como eu, adora viagens ao passado, é imperdível.]

domingo, 26 de janeiro de 2014

Dia vinte.

Porque nem tudo é mau. E porque quando algo é bom vale a pena dedicar umas linhas ao assunto.


Quando fiquei sem emprego pela primeira vez, em 2010, não tive direito a subsídio. Mas nunca me vou esquecer das sagas pelas quais os meus colegas passaram. Estamos a falar de cerca de quarenta pessoas (foi um despedimento colectivo), e houve de tudo: papéis perdidos na Segurança Social, informações contraditórias, atrasos, contratempos, gritarias, depressões, advogados e tribunais. O certo é que, com mais ou menos peripécias, entre a primeira visita que fizeram ao centro de emprego e o primeiro pagamento todos eles tiveram de esperar cinco, seis, sete meses. Até mais, em dois ou três casos. 

Desta vez o despedimento não foi colectivo, mas não fui só eu a sair. E todas antecipámos um cenário semelhante (para o qual até os Recursos Humanos nos prepararam). Contámos, desde início, com uma longa temporada em que a nossa sobrevivência individual dependeria das economias (e isto partindo do princípio hoje em dia claramente utópico de que teríamos economias que nos chegassem para uns seis meses).

Quando o mote é o desemprego, nem sempre é fácil encontrar abordagens positivas; por isso, quando nos deparamos com algo que é bom por si só, sem requerer esforços extra no que toca à criatividade, é quase obrigatório falar do assunto. E hoje o caso é esse, precisamente. Ao que parece, nos últimos três anos houve algo que mudou – e, coisa rara no nosso país, mudou para melhor: apercebi-me hoje de que os pagamentos já começaram a ser feitos.

Não esperámos meio ano. Nem dois meses, sequer. E não  tivemos de ver o fundo ao mealheiro.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Dia dezanove.

Ofertas de emprego  versão 2014.


Eu bem sabia que criar este blogue era uma boa opção. Há gente com ideias tão engraçadas que têm mesmo de ser partilhadas. Além disso, cada vez mais me convenço de que o facto de haver falta de emprego é o princípio do problema, mas está longe de ser o fim.

Uma pessoa fica desempregada e dia sim, dia não (ou até mesmo dia sim, dia sim) depara-se com um fenómeno novo. O meu último achado tem a ver com ofertas de emprego. Pelos vistos, neste campo a criatividade não conhece limites, e houve muitas mudanças de 2010 para cá. Nos últimos dias descobri uma nova estratégia, e que é diferente em tudo  a começar pela abordagem.

A saga começa quando alguém nos diz, após uma introdução exageradamente elogiosa a nosso respeito, que tem uma proposta de emprego para nos fazer. Na prática, é só mesmo isto: "tenho uma proposta de emprego para si". A formulação pode ser básica ou sofisticada, consoante os casos, mas nunca inclui nada de "comos", "quandos", "ondes", "o quês" ou "porquês". Depois, segue-se a frase-chave desta inovadora estratégia de recrutamento: "se quiser saber pormenores, podemos encontrar-nos". Em casos muito raros, esta indicação vem acompanhada da morada do "escritório", mas nunca, jamais, do nome da empresa.

Após este primeiro contacto, gente doida como eu, que nitidamente não sabe dar valor à sorte que tem, ousa enviar uma resposta que começa com um "obrigada" e que (quanta parvoíce!) continua pedindo mais uma ou duas indicações: que "projecto" é, por exemplo, ou quais são as funções em causa.

E é aqui que surgem as respostas mais inconcebíveis que eu alguma vez recebi. (Merecidas, como é evidente.) Soam a algo parecido com "é um projecto mais ou menos do género de qualquer coisa e que envolve diversas áreas e uma panóplia de possibilidades em geral e em particular, podendo ser isto ou aquilo na medida das circunstâncias; mas se quer saber concretamente o que é vai ter de se encontrar comigo, porque por e-mail é só mesmo isto que lhe posso dizer". E a história ainda não acaba aqui: para o grand finale, uma chantengenzinha psicológica  sugerindo, subtilmente ou não, que se fazemos perguntas e não queremos ir a um encontro destes às cegas é só porque somos preguiçosos, ignorantes ou presunçosos.

Em menos de dois dias já me apareceram três generosas ofertas de emprego deste género. E eu, que sou uma ingrata, disse "não" a todas elas.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Dia dezoito.

Ai-que-somos-todos-tão-empreendedores.


Nesta terra, hoje em dia, é praticamente obrigatório ser empreendedor. Acima de tudo quando estamos sem emprego. Temos de ter mil e uma ideias a fervilhar, espírito de aventura, vontade de correr riscos. O medo é proibido; não se aceita sequer em modalidades mais fraquinhas, como o receio ou a insegurança. Além disso, é essencial ser-se dono de uma imaginação inigualável, para criar algo diferente de tudo aquilo que já se viu  ou, pelo menos, para descobrir aquele "quê" que faz da nossa ideia uma ideia brilhante, genial, única. "A" ideia. Temos todos de ser desempoeirados, corajosos, talvez até meio loucos.

E, depois, até parece que só há histórias boas e bonitas. É ver gente feliz e bem-sucedida por todo o lado. O senhor na casa dos cinquenta que era gestor de uma empresa mas que resolveu que fatos, gravatas e contas não eram para ele e que agora enriqueceu a plantar, apanhar e vender repolhos biológicos. O grupo de amigos desempregados que comprou uma roulotte em quinta mão, juntou uns trocos e foi fotografar marcos do correio Europa fora. A D. Adelaide, que já é avó, mas que, como não gosta de estar parada, comprou um fogãozinho mais jeitoso e começou a vender pastéis de feijão para todo o país.

Gabo a coragem de quem decide deixar tudo para trás e arriscar. Sinceramente, gabo. Seja porque quer mudar de vida, seja porque, não querendo, se vê na necessidade de o fazer. Há exemplos inspiradores, sim  quer pela ideia, quer pelo resultado.

Mas falta aqui o lado B. E falta sempre, ou quase sempre. Porque, para começar, ninguém faz grande questão de contar as outras histórias. O antigo gestor teve muito sucesso com a plantação de repolhos, mas o antigo contabilista tentou safar-se com tangerinas, não teve a mesma sorte e acabou por voltar à cidade de onde tinha saído; os amigos que fotografam marcos do correio vendem as imagens para todo o mundo, mas os que vinham naquela roulotte lá mais atrás e que iam fotografar bombas de gasolina tiveram uma avaria e o prejuízo foi tanto que ainda estão a tentar descobrir como é que hão-de pagar as contas; a D. Adelaide não tem mãos a medir com as encomendas de pastéis de feijão, mas a D. Manuela, que investiu nos queques de avelã, já só os faz para os netos (e os queques, curiosamente, até são melhores do que os pastéis).

E há outro problema. É que todos têm direito a ser empreendedores, mas nem todos conseguem sê-lo. Nem toda a gente nasce destemida, criativa ou aventureira. E estas características não são propriamente daquelas que se desenvolvem com algum treino; ou se é assim, ou não se é. Dizer que os tempos estão maus, que é preciso arriscar tudo e que não faltam casos de sucesso é fácil; pôr tudo isso em prática, quando não se conta com as virtudes necessárias para tal, é muito difícil. É quase impossível.

Somos todos diferentes. No fundo, é só isto. E quem tem uma zona de conforto um pouco mais dilatada não tem de ser olhado de lado por causa disso. Ninguém é obrigado a querer arriscar, quanto mais a arriscar mesmo. Mas o discurso que nos rodeia é esse: empreendedorismo para cá, empreendedorismo para lá, empreendedorismo sempre e acima de tudo. E quem não for corajoso que se faça, porque quem não for empreendedor aparentemente vale menos do que os outros.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Dia dezassete.

A SIC veio cá a casa.


[Pronto. Se calhar hoje era só isto, sim?]

Quando a SIC me sugeriu fazer uma reportagem sobre este blogue, é claro que aceitei logo. Evidentemente, a minha imaginação impôs-se. Afinal, porque não sonhar? Apeteceu-me, só porque sim, visualizar um futuro brilhante, auspicioso, que incluía uma chuva de "likes" e tantas ofertas de emprego que o difícil seria escolher.

Hoje, a fantasia passou a realidade. E assim é muito melhor: o que é real vale mais precisamente por sê-lo.

Não choveram "likes" como nos meus sonhos  o que choveu foi muito mais do que isso. Sugestões, ofertas, desabafos, gentilezas. Críticas de todos os tipos, também. E propostas. Princípios de coisas que podem ser boas.

Acima de tudo, vieram os bons sinais. Veio a sensação de que talvez esteja no rumo certo e de que esta ideia até pode ter sido boa. E veio uma dose extra de esperança  por muito que brinque com o assunto, a verdade é que nem sempre é fácil mantê-la.

Ao Luís, ao Jorge e à Filipa: obrigada.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Dia dezasseis.

A apresentação quinzenal.

E eis que chegou o dia.

Bom, na verdade eu antecipei a emoção. A data marcada era 24 de Janeiro, sexta-feira. Mas, como pressinto um final de semana agitado, achei melhor resolver o assunto já hoje. (Isto porque eu sou muito distraída. Muito. E, como tenho a mania de que encorajar a preguiça mental é mau hábito, resisto a agendas como se fossem veneno  e papelinhos no bolso só mesmo quando vou ao supermercado. Por isso, achei por bem rumar já hoje à junta de freguesia, prevenindo assim os dramáticos efeitos de um esquecimento.)

Lá fui eu, então. Cedinho. Nove e pouco da manhã, porque sou adepta do "cedo erguer" e porque em tempos já perdi algumas meias horas da minha vida por me ter ido apresentar depois de almoço. Madrugar foi uma boa opção, claro: quando cheguei só tinha uma pessoa à minha frente, e que até já estava a ser atendida.

E agora, sabendo eu que as apresentações quinzenais dos desempregados, esses momentos enigmáticos e aparentemente decisivos, podem bem ser um enorme mistério para quem está a ler este texto... Cá vai um relato detalhado. Pormenorizado. Talvez até cansativo, dada a quantidade de informação que se segue.

Um balcão. Eu do lado de cá e uma senhora do lado de lá (se fosse um senhor também valia). A senhora diz um "bom dia" quase, quaaaaaase simpático. Eu retribuo e estendo-lhe o papel onde está a data limite para a apresentação. A senhora pega no papel e pede-me o Cartão de Cidadão, sempre de olhos postos no computador. Escreve duas ou três coisas, imprime uma nova folha, carimba-a, volta a olhar para mim e diz-me "dia 6". Seguem-se um "obrigada, bom dia" do meu lado e um "bom dia" do lado da senhora.

E acabou.

Um glorioso minuto, que teve naquele "dia 6", dito em tom militar, o seu momento mais alto. 

E é isto (será isto) de quinze em quinze dias.

É por estas e por outras que, como vêem, a vida de desempregada vale a pena.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Dia quinze.

Outra carta  IEFP strikes again (e vem aí uma manhã feliz).


"Na sequência da sua inscrição no Serviço de Emprego (...) e no sentido de dar continuidade ao processo para resolução do seu problema de emprego, realizar-se-á uma intervenção técnica com o objectivo de a apoiar na definição do seu Plano Pessoal de Emprego."

Muito sentido de humor tem esta gente. Muito. E daquele bom. Subtil, refinado, levemente retorcido. Só o conceito "problema de emprego" já merece um prémio. Queridos criativos do IEFP, se não se importarem eu vou começar a dizer isto às pessoas. A partir de agora, nem digo que estou desempregada nem que fiquei sem emprego. Aliás, este blogue devia era chamar-se "Tenho um problema de emprego". Dava-me um ar assim para o psicologicamente doentinho e todos os patrões deste país se haviam de compadecer. Se ao menos vocês me tivessem enviado esta carta há quinze dias...

Ah, olhem, e a ideia de "resolução do (meu) problema" também é genial. E generosa, diga-se  eu cá sei reconhecer boas intenções quando as vejo. Isso de me apoiarem "na definição do (meu) Plano Pessoal de Emprego" é um gesto nobre e comovente. Obrigada. O que seria de mim sem este ombro amigo chamado "Serviço de Emprego"?

E deixo ainda uma última nota para o ar sério e importante que dão a tudo isto, chamando-lhe "intervenção técnica". Confesso que até impõe algum respeito. Uma pessoa sente-se a modos que... que.


Pois é. Tenho de ir ao centro de emprego  perdão: ao Serviço de Emprego  na próxima terça-feira. Só não percebo porque é que os restantes três parágrafos da carta, bem mais longos do que o primeiro, servem para me explicar que se eu não for estou em maus lençóis. Mas alguma vez me passaria pela cabeça recusar um convite deste calibre? Ainda por cima já não é a primeira vez que vou a uma reunião assim, por isso sei que se avizinha uma manhã imperdível. Numa sala, um técnico e uma série de pessoas, todas elas com problemas de desemprego (é que esta ideia é mesmo muito boa...). Cada um dos convocados apresenta-se e conta uma breve história da sua vida, e a seguir o dito técnico faz perguntas e dá sugestões. Habitualmente, eu deixo de existir depois das perguntas (o que torna isto muito mais interessante), porque nunca há sugestões para me dar. "Sabe, a sua área é complicada... Nós só conseguimos emprego para outro tipo de trabalhos... Olhe, vá vendo. Vá tentando. E boa sorte. Vai precisar..."

Sabendo que é isto que me espera, eu lá perdia tal emoção?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Dia catorze.

Dona de casa desempregada.


(Atenção: segue-se momento eventualmente desconcertante para mentes modernas.)

Vamos a um tema que me é particularmente querido: a vida doméstica. O conceito de "dona de casa" perdeu-se algures nas últimas décadas, mas há quem ainda zele por essa etiqueta. E eu faço-o. Faço mesmo. Levo o assunto a peito e trato-o com empenho e orgulho.

Assim sendo, por esta altura a minha vida até podia ser mais... "domesticamente feliz". Quando se trabalha é preciso dividir o tempo entre várias tarefas, e para quem não pretende abrir mão de lides e preceitos o caso fica bicudo; mas, quando não se tem emprego, há mais tempo livre. E isso até pode facilitar tudo. Pode. Claro que pode!

Mas deste lado é diferente.

Ontem escrevi aqui que "se há coisa subtilmente perigosa é uma cabeça desocupada". Sabendo disso  melhor: pressentindo isso , quando tenho pouco para fazer tendo a arranjar ocupação. Depressa. Logo. E é assim que, apesar de não viver sozinha, chamo a mim todas as tarefas e mais alguma quando fico sem emprego. Foi assim da primeira vez, e, como eu já calculava, está a ser assim na segunda. É uma forma prática de ocupar a cabeça, de me sentir útil e de poupar a outra alminha lá de casa (que trabalha  haja alguém) a uma série de cansaços. E é também uma forma prática de chegar à hora dos "Patinhos" tão moída como se tivesse ("como se tivesse"?...) andado o dia todo a correr de um lado para o outro.

Mas ainda há mais. Como sou uma valente (eu sei que na verdade sou é levemente insane, mas agora não me apetece pôr as coisas nesse prisma), não fico por aqui. Insisto na ingenuidade de achar que o que não me falta é tempo livre e desato a resolver mil e um assuntos pendentes.

Por enquanto sou "só" uma dona de casa desempregada. Desesperada, ainda não estou. Mas, a avaliar pela convicção com que me entrego a um sem-fim de tarefas e compromissos, lá chegaremos. E depressa.

Ainda antes dos "Patinhos".

domingo, 19 de janeiro de 2014

Dia treze.

Uma breve reflexão sobre o trabalho gratuito.


Boa parte de nós já se deparou com ofertas de "emprego" completamente absurdas. Aquelas onde a parte dos requisitos tem umas 52 alíneas, pedindo-se lá pelo meio o domínio de quatro idiomas e de sete linguagens de programação informática, disponibilidade total e absoluta para trabalhar 24 sobre 24 horas, todo o empenho, espírito empreendedor, amor à camisola e o nosso melhor sorriso. Se estivermos dispostos a mudar o nosso colchãozinho para o escritório lá da empresa, aí então é que é uma maravilha. Pagamento, já se sabe, zero  afinal de contas, integrar uma equipa "sólida, jovem, motivada e divertida" é privilégio suficiente e algo que deveremos agradecer para o resto da vida. Ordenado? Para quê? O bom ambiente entre colegas é que alimenta a alma. Isso e trabalhar até chegar um provável esgotamento. Nada disto põe é comida na mesa, mas há que saber definir prioridades.

O pior é que estes anúncios são só o princípio do problema. Logo de seguida vem a outra parte: a dos discursos. Há os conformados, os desdenhosos, os acusadores, os ai-que-isso-de-receber-dinheiro-por-trabalhar-é-tão-1995. Uns acham que, de facto, há que aproveitar estas grandes oportunidades, até porque "uma pessoa nunca sabe o que pode vir dali" (e no nosso país é certinho que só virão coisas boas). Outros concluem que se não aceitamos ofertas do género é porque temos mesmo a mania de que somos os maiores. E outros fazem questão de lançar a frase "mais vale pouco que nada" como se fosse uma espécie de recriminação.

Ficar sem emprego dá-nos tempo livre, claro (embora isto nem sempre seja assim tão linear). E se há coisa subtilmente perigosa é uma cabeça desocupada. Mas, assim de repente, ocorrem-me trinta formas diferentes de preencher a vida e a mente. E todas elas bem mais preciosas, para mim e espero eu que para quem me rodeia, do que trabalhar de graça. A ideia de que mais vale trabalhar sem receber do que não trabalhar não me convence; e a suposta "obrigação" de se aceitar tudo quando não se tem emprego, sejam quais forem as condições, convence-me ainda menos.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Dia doze.

Fim-de-semana vs. Sofia desempregada.


Sim. É claro que eu também gosto de fins-de-semana. E muito. Mas isso é quando trabalho de segunda a sexta; quando não trabalho, o caso muda ligeiramente de figura. Os fins-de-semana são só mais dois dias. E dos inúteis.

Um dia sem currículos enviados é uma espécie de dia perdido; um dia sem novos anúncios aos quais responder, sem falar com ninguém (profissionalmente, claro), sem experimentar um caminho novo, é como um dia desperdiçado. É claro que, às vezes, com um pouco de sorte, ainda se pode fazer alguma coisa quanto a isto entre sábado e domingo...  Mas, se durante a semana já é difícil conquistarmos a atenção seja de quem for, ao fim-de-semana a tarefa é bem mais complicada. E, se de segunda a sexta as respostas não chegam, é certo que aos sábados e domingos não chegarão de certeza. Parecem dias parados, longos, em vão. São quase... "não-dias".

[Felizmente, tenha eu emprego ou não, resta-me o conforto de saber que há coisas que nunca mudam. Continuam, por exemplo, a ser dias impossíveis dentro de um hipermercado.]

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Dia onze.

Diálogos matinais.


Encontrei um vizinho com quem já não me cruzava há algum tempo. Daqueles que me conhecem desde a altura em que eu andava na escola primária. (Sim, eu sei que se diz "ensino básico" há uns vinte anos. Mas eu gosto mais assim.) As nossas conversas andam sempre à volta do mesmo: eu pergunto-lhe pelos netos; ele pergunta-me pela vida. E toda a gente sabe que hoje em dia perguntar pela vida é perguntar pelo emprego, tendo de antemão em mente a eventual (quase provável, diria eu...) falta dele.

Hoje a sequência foi a de sempre. Eu perguntei pelos meninos. O senhor J. disse-me que estão bons, grandes, o mais crescido já a entrar "naquela idade". Seguiu-se o tema do costume: "Então? E a menina? Hoje já foi ganhar o dia?" Disse-lhe a verdade: "Não... Eu agora deixei outra vez de ganhar os dias, sabe, senhor J.?"

E agora imaginem o senhor J.. Um qualquer senhor J. daqueles que vos conhecem desde aquela época em que descobriram que as vogais são cinco e que um mais um dá dois. Um senhor J. que sabe perfeitamente que este mundo anda meio torto. Mas que, ainda assim, pôs o ar mais desconfiado que eu alguma vez lhe vi e me perguntou, enquanto mentalmente tentava decidir se me havia de achar incompetente ou preguiçosa (há olhares reveladores):

"Mas isso foi porque quis, não foi?"

Claro, senhor J.. Claro que foi. Aliás, eu até diria que foi de propósito. Isso de "ganhar os dias" cansa uma pessoa.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Dia dez.

Quando o telefone toca. (Não. Não estou a falar do programa de rádio dos anos 60. Embora adorasse a ideia.)


Quando o telefone toca. Melhor dizendo: quando o telefone toca e no ecrã, tchanan, aparece um número que não conhecemos. Isto numa altura em que já enviámos coisa de 257 currículos, e quando, além do mais, estamos a aguardar ansiosamente duas ou três respostas.

Sempre que isto acontece alguém devia fotografar-nos. Ou filmar-nos, até, para captar o momento em toda a plenitude. O nervoso miudinho. A cara de "ai, Jesus...". Os passinhos atarantados. E depois há o resto – aquilo que a câmara não capta. Quem já passou por isto sabe bem como é. A cabeça começa a pensar muito depressa, muito depressa, muito depressa:

"Ai, ai, ai. Se calhar é de sítio tal. Ou então é x. Ai, quem me dera que fosse y. E se for? O que é que eu faço? Se calhar é melhor não atender o telefone aqui. E o que é que eu tenho para fazer hoje? E amanhã? Havia qualquer coisa, não era? Bom, não interessa. E se for para marcar uma entrevista? Preciso de papel e de uma caneta. Acho que tenho de me sentar. E, daí, se calhar é melhor ficar de pé. Ai, que dor de barriga."

Tudo isto, e muito mais, em cinco segundos  convém não ficar muito tempo nestes preparos, não vá quem está do outro lado desligar. Desistir. Para sempre.

Depois destes cinco segundos (no máximo!) de pura reflexão prática e existencial, onde o futuro é ponderado até à milésima quinta casa, e estando já o estômago enrolado a pontos de ficar do tamanho de uma uva... Atendemos.

E a parte emocionante costuma terminar aqui. Porque, do outro lado, ou está um senhor de uma operadora de telecomunicações, ou um senhor de um banco a querer impingir-nos o-melhor-cartão-de-crédito-de-sempre, ou um senhor a tentar convencer-nos a fazer um seguro de saúde.

Bom, às vezes também estão senhoras.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Dia nove.

Ai, as maravilhas das novas tecnologias.


Ontem ao fim da tarde criei a página deste blogue no Facebook. Quando me pareceu arranjadinha comecei a convidar os "amigos" para gostarem dela. O objectivo era o óbvio: alcançar mais gente e de uma forma mais imediata. Se se quer que o mundo saiba que cá andamos e perceba que fazemos pela vida, nada melhor do que esta estratégia simples.

Mas o que se passou a partir do momento em que a página nasceu ultrapassou todas as minhas expectativas. Todas. E, "gosto" após "gosto", continuo estupefacta.

Quando fui dormir (já passava da uma da manhã, porque com tanto entusiasmo o sono fugiu para parte incerta), a página tinha 250 "gostos". Neste preciso instante tem 554. Maravilha número um: destas 554 pessoas, 408 não sabem sequer quem sou. E isto equivale a quase três quartos dos meus seguidores. (A matemática não é o meu forte, mas felizmente o Google até faz contas por nós e tudo.)

Maravilha número dois: andava eu toda contente com a minha publicação, aquela das dezasseis partilhas... Bom, andava e ando. Mas mal sabia eu o que aí vinha. Agora parece que o frenesim acalmou, mas a noite de ontem e esta manhã foram brilhantes  brilhantes!  no que toca a contactos, sugestões, envios de currículos e convites. Há quem não me conheça e queira ajudar; há quem me conheça e prometa recomendar-me descaradamente aos chefes e espalhar o meu currículo pelas sete partidas do mundo. No meio de tanta coisa e de tanta gente, o meu pequeno ego está lá nos píncaros, claro.

A mensagem está a passar. Está a chegar mais longe, a mais pessoas, e a um ritmo auspicioso. Isto só pode ser bom.

E a página está aberta há menos de um dia.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dia oito.

A carta.


Chegou hoje. A Segurança Social escreveu-me. Assunto? O subsídio.

Quem já passou por isto sabe como é: quando abrimos uma destas cartas há sempre aquela espécie de pressa de rasgar o envelope e ao mesmo tempo um medinho esquisito de que as notícias não sejam as melhores. Além do mais, às vezes vêm à ideia memórias desagradáveis  e as minhas são assim. Quando fiquei sem emprego pela primeira vez, em 2010, a carta demorou mais de um mês a aparecer. Lembro-me como se tudo tivesse acontecido ontem. Cheguei a casa, entrei no meu quarto e abri o envelope "em pulgas". A primeira palavra que aparecia destacada era "indeferido". Depois disto, as recordações são meio turvas... Provavelmente porque de seguida estive muito tempo a chorar.

Enfim. Nada como uma experiência de vida intensa e variada.

Desta vez o quadro afigura-se ligeiramente melhor: "deferido", diz a carta. O valor em causa parece-me ser aquele com que já contava (tantas percentagens a mais disto e a menos daquilo podem estar a deturpar-me ligeiramente os cálculos). E, pelos vistos, aparentemente está tudo a avançar a bom ritmo. O que é bom... Calhava bem não ficar largos meses à espera.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Dia sete.

As leis que me aborrecem um bocadinho.


Antes dos meus aborrecimentos: a entrevista/conversa de ontem acabou por não dar resultado. Mas ficou uma porta aberta, como se costuma dizer. Talvez esta história ainda não tenha terminado.

Agora, então... As leis.

(Antes de continuar, é melhor declarar desde já que sou uma ignorante no que toca a finanças. Por isso é provável que tudo o que me parece de lógica duvidosa faça até muito sentido.)

Nos últimos dias tenho tentado perceber as linhas com que me coso. E, entre subsídios, pagamentos e proibições, a verdade é que me sinto um pouco... lesada.

Se quero ter direito a um subsídio de desemprego que mal se vê, ai de mim que tenha actividade aberta como trabalhadora independente  ainda que, numa área como a minha, no fim do ano possa só ter aí uns dois recibos verdes passados e no total isso não renda nem duzentos euros. Não interessa. Nem que estejam em causa dez euros: não. A lei não deixa.

Se, em vez de recibos verdes, passar um acto isolado (não tendo, portanto, actividade aberta nas Finanças), até parece tudo diferente: posso passá-lo. Os senhores que mandam deixam. Posso fazer tudo dentro da lei, sem perder direito a nada (aparentemente) e sem ser tratada como uma pequena trafulha por lutar, esporadicamente, por juntar uns euritos ao meu parco rendimento. Pormenor: de seguida descontam-me ao valor do subsídio o valor que recebi por esse trabalho que foi pago perante o tal acto isolado.

Portanto: por um lado, não posso passar recibos verdes; por outro, é escusado passar actos isolados. Recebo (ainda não comecei a receber) um subsídio de desemprego que mal se vê; mas estou impedida de tentar ganhar uns trocos  trocos!  legalmente. É porque eu até quero trabalhar. Mas, para isso, é preciso que me deixem. Enquanto não há trabalho certo, o trabalho pontual pode ajudar um pouco. E eu gosto muito de fazer tudo "direitinho". Mas, por algum motivo, a lei não me deixa. Não estabelece, tão pouco, um limite para a quantia que seria razoável receber paralelamente: para manter o subsídio por inteiro, proíbe que se receba seja o que for, ainda que pontualmente. Eu percebo que tenha de haver controlo, mas convenhamos que dez mil euros a mais por mês são uma coisa e cem por ano são outra...

domingo, 12 de janeiro de 2014

Dia seis.

(Uma espécie de) entrevista de emprego.


Aconteceu hoje. Ao dia seis do mês um deste blogue. E apenas doze dias depois de ter ficado oficialmente desempregada. (Eu sei, eu sei que é domingo  mas o mundo está a mudar...)

Digo que foi uma espécie de entrevista porque, na verdade, foi mais uma conversa de café. Sobre trabalho, mas informal quanto baste. Receio que não tenha dado grandes frutos  ficámos de voltar a conversar amanhã, mas acho que a pessoa que se procura para as funções em causa não sou eu. Ainda assim... Uma entrevista é uma entrevista. E, à falta de motivação extra, sempre nos ilumina o espírito durante algumas horas.

Dia cinco.

Palavra-chave: contactos.


Digo eu que uma das melhores formas (ou das menos más...) de tentar dar a volta a uma situação destas é falar com meio mundo e quem sabe com o outro meio. Família, amigos, colegas, conhecidos, amigos da família, familiares dos amigos, conhecidos dos colegas. Todas as combinações valem. O grande desafio é só um: lembrarmo-nos de gente. Mais gente. Até porque, após dez contactos improváveis, de certeza que ainda nos está a escapar pelo menos um dos óbvios.

E é por este motivo que pessoas que me conhecem muito mal estão a receber, pela primeira vez na vida ou largos anos depois do último contacto, notícias minhas. Seja por telemóvel, por e-mail ou por Facebook. As frases "não se perde nada em tentar" e "o não está garantido" ocorrem-me constantemente. E em momento algum os meus níveis de descaramento são tão elevados como quando me vejo sem emprego. Sei perfeitamente que um dia vou olhar para trás e tudo isto me vai parecer um despropósito... Mas por agora não estou propriamente preocupada com isso. Ainda para mais a minha vida profissional tem-me dado uma lista de contactos muito boa... Ora, tendo-a, há que a aproveitar, não é?

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Dia quatro.

O ginásio.


Antes de tudo: eu não vou ao ginásio por apelo de um hipotético espírito dondoca, porque queira muito emagrecer ou porque a celulite me dê cabo do juízo (bom, esta última parte...). Eu vou ao ginásio porque o médico me obriga. Ponto. Aquela conversa de que o desporto faz bem à mente, relaxa, descomprime, lava a alma... Isso pode fazer sentido para nove décimos da Humanidade, mas não cabe na minha cabeça. Detesto fazer desporto. Detesto ir ao ginásio (por motivos físicos, psicológicos e sociais). E garanto-vos que, se o médico não me falasse do assunto em todas as consultas, eu não perdia ali meia hora da minha preciosa vidinha duas vezes por semana.

Bom. Continuemos.

Só estou a falar do ginásio em jeito de desabafo. De facto, volta e não volta tenho de lá ir  o que significa que, mais tarde ou mais cedo, ia acabar por tocar no assunto aqui. Porquê hoje? Porque lá voltei, depois de uma longa pausa. E porque agora, além dos tais motivos físicos, psicológicos e sociais, há também os monetários. Não é um ginásio caro, felizmente... Mas nesta fase tudo acaba por estar um pouco além das minhas possibilidades.

Pronto. Assunto encerrado (por hoje, pelo menos). E agora aqui fica a nota de esperança do dia: o meu primo J. pediu-me que lhe enviasse o currículo. Parece que a empresa onde trabalha (uma start-up portuguesa muito bem sucedida) está a recrutar para várias áreas. Haja fé.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Dia três.

Centro de emprego: episódio um.


Regressei. Cerca de três anos depois, voltei a entrar por aquelas portas. Primeira constatação: o desconforto. Segunda: vi mais gente ali dentro desta vez. Muito mais pessoas do que aquelas que lá encontrei nas minhas outras visitas, algures em 2010.

Estive menos de uma hora à espera. Nada mau. Mas tive tempo mais do que suficiente para olhar em volta. Na sala, gente nova; não vi ninguém que me parecesse ter mais de 40 anos. Três bebés. Quatro ou cinco estrangeiros. Mais mulheres do que homens.

Os painéis onde deveriam estar as ofertas de emprego da EURES (rede europeia de serviços de emprego) estão vazios. Mas há outros folhetos espalhados pela sala, e digamos que nesses casos os temas são "geograficamente" mais próximos: formação profissional, estágios ou deveres e direitos do desempregado.

Quando me chamaram, encontrei, à minha frente, a mesma senhora que me atendeu em Agosto de 2010. Não poderia recordar-me da cara dela antes de a ver, mas, quando a vi, reconheci-a logo. É vistosa, pintada, enfeitada. E sempre simpática  desta parte eu recordava-me.

Disse-lhe que, na minha primeira experiência com centros de emprego, também tinha sido ela a inscrever-me. Comentou que, nesse caso, pouca sorte me tinha dado. Fez-me três ou quatro perguntas, imprimiu algumas folhas, desejou-me muito boa sorte e pediu-me que não me esquecesse das apresentações quinzenais. (Começam no dia 24. Não são no centro de emprego, mas na junta de freguesia. Pelo menos para lá o caminho não é a subir. Nem para cá. Faz-se tudo a direito. É bom.)

Saí do centro de emprego com a mesma sensação estranha que tinha quando entrei: aquele lugar deixa-me desconfortável. Talvez por o associar a tempos muito complicados (a minha primeira experiência como desempregada foi longa e muito dura). E porque, no fundo, ir ali é como um símbolo de que, mais uma vez, algo correu mal.

Mas nem tudo é cinzento. Nunca é. A minha manhã foi passada nestas andanças de recém-desempregada mas a tarde foi de amor, cozinhados e boas notícias. Um telefonema trouxe-me uma possibilidade de emprego e uma troca de mensagens também pode vir a dar muito bom resultado. Quanto à minha publicação no Facebook, que por esta altura tem dezasseis partilhas, já me valeu mais dois envios do currículo.

Pode ser que não tenha de me apresentar quinzenalmente muitas vezes.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Dia dois.

O pós-Natal.


Os dias não correm sempre como planeado. Nem mesmo os dos desempregados  o tempo livre, às vezes, complica em vez de facilitar. Por isso, por A mais B e na impossibilidade de C, a ida ao centro de emprego teve de ser adiada.

O dia acabou por ser caseiro. E um pouco deprimente. Dizia eu ontem que gosto muito do Natal... Hoje, a tarde foi dedicada a desfazer a árvore. A arrumar enfeites. E presépios, e bonecos, e velas. E a encher o chão de purpurina (dizer adeus ao Natal é muito triste, mas ter purpurina espalhada pela casa toda é desesperante). E, por algum motivo, numa casa onde há quatro mãos resolvi tratar de quase tudo só com estas duas. Deve ser o "complexo do desempregado" a atacar-me: há que mostrar que se é útil e desempoeirado. Ainda que só a nossa mãe chegue a ver o resultado.

Por hoje, tarefas concluídas. Amanhã, então, o centro de emprego. Sem falta.

[A publicação que ontem fiz no Facebook vai em quinze partilhas. Já deu alguns frutos: trocas de e-mails, envios de CV e novos contactos. E ainda houve aqui um "fruto extra": a minha querida J., que em tempos me deu aulas de teatro, além de partilhar decidiu descrever-me como "atinada". É daqueles adjectivos que só são usados por pais, avós, tios e professores. E já ninguém me chamava tal coisa há uns dez anos.]

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Dia um.

O fecho das contas.


Podia mesmo calhar a 1 de Janeiro, que oficialmente é o meu primeiro dia como desempregada. Ou a dia 2 de Dezembro do ano passado, que foi o meu primeiro dia sem trabalhar. Mas o dia um desta história é este. 7 de Janeiro de 2014.

Voltei ao sítio onde, desta vez, trabalhei durante dezoito meses e meio. (Se calhar ponho aqui já este parênteses para explicar que, no meu primeiro despedimento, também foi desta casa que saí. Nessa altura foram dois anos e uns dias, mas esta é história para outra altura.) Voltei para "fazer as contas", como se costuma dizer. Para receber um cheque pequeniiino. (Mais um parênteses: da outra vez o cheque foi maior; não pelo tempo que lá estive, mas porque as contas se faziam de outra forma.)

Eu e a C., companheiras inseparáveis desta e de outras sagas, entrámos de olhos postos no chão e com passo apressado. Tínhamos pouca vontade de ver gente. Aquela casa diz-nos muito, e voltar lá nestas circunstâncias nunca poderia ser fácil. Mas, sobretudo, a vontade era pouca para três coisas: sorrisos amarelos, conversas vazias (nós percebemos o esforço, a sério, mas...) e abraços daqueles que derrubam as defesas e esborratam a maquilhagem. Por tudo isto, entrámos tão discretamente quanto conseguimos. E a verdade é que, entre entrada e saída, só nos cruzámos com meia dúzia de pessoas e a experiência nem correu nada mal.

Contas feitas, e mais um adeus àquele lugar. Sem lágrimas nem ressentimentos. E de olhos postos no futuro: assim que pus os pés em casa, agarrei-me ao Facebook e escrevi o meu post mais partilhado de sempre. 

"Sei fazer um pouco de tudo aquilo que se faz em rádio.
Mas diz quem percebe mesmo do assunto que sou muito boa a rever textos.
E tenho jeito para organizar coisas  quer papelada, quer eventos.
Além disto tudo, sou feliz a cozinhar.
Começo 2014 pobrezinha e sem emprego. Por isso, se precisarem de uma locutora ou de uma produtora, de textos revistos, de uma secretária, de alguém que organize eventos ou de uma pequena iguaria, já sabem.
Garanto-vos que sou boa moça e muito trabalhadora."

(Ok. Ainda só vai em doze partilhas, mas eu não sou actriz de novelas, não jogo à bola nem fui concorrente de coisa nenhuma. Por isso deixem-me acreditar que estou a fazer sucesso.)

Este é o meu dia um como desempregada. (Não é que Dezembro não tenha contado. Até contou. Só que o Natal é uma das minhas alturas preferidas, por isso fiz por dedicar o meu pensamento à consoada e aos postais que queria enviar.) A realidade chegou. Estou optimista, mas sinto-me... estranha. É o único termo que me ocorre.

Amanhã hei-de ir a um sítio que todos os desempregados adoram. Chama-se centro de emprego. Levo vinte minutos a chegar lá a pé, e o caminho é sempre a subir. A parte boa é que para cá é a descer –  e já se sabe que "para cá" uma pessoa vem (ainda) mais desmotivada. Calha bem.